sábado, janeiro 20, 2007

movimento perpétuo

O aborto é um tema em que tenho amigos com posições contrárias, e confesso que não as julgo, só tento compreende-las.
A minha intenção de voto não é originada pelo opinião que tenho em relação que se faça um aborto, mas a que se possa fazer um aborto. Não vou ser chamado a decidir se num caso próximo e em que esteja envolvido vai ser feito um, vou ter de dar a minha opinião se todos devem poder decidir o que fazer nos casos que lhes são próximos.
Não adiro a qualquer movimento pró-qualquer-coisa, o único movimento que me interessava, e só de tangente este é um desses casos, era um que promovesse o fim do moralismo na justiça actual.
A justiça actual tem um propósito nobre de concentrar em si o monopólio da violência, reclamando para fora do campo das paixões a reparação e castigo das agressões e desrespeitos entre cidadãos ou pessoas colectivas. Esta deve ser a máxima preocupação de um código civil, garantir a segurança e o direito de uso da propriedade, da integridade física e moral, daquilo a que chamamos geralmente liberdade e garantias. A regulação das responsabilidades assumidas em contracto explícito ou implícito entre cidadãos devia ser a única esfera de acção da justiça. Fora de tudo isto fica aquilo que está a mais, que é a tentativa de impor um modelo moral. O que é moral é da esfera privada de cada um, à justiça só devia preocupar a ética, mas de ética, nenhum movimento parece falar.
Dizem alguns que por não ser de âmbito político, mas moral, a liberalização do aborto deve ser feito por referendo. Ora é por ser moral que nem devia ser permitido ao estado e à justiça ter opinião. É preciso perceber que não são os povos que surgem dos estados, são os estados que surgem dos povos quando estes são da opinião que devem ser um estado. Aquilo que estes povos a seguir tomam como modelo moral deriva das suas decisões ao longo do tempo, nunca daquilo que lhes seja imposto por um código legal. Por outras palavras, o facto de o aborto ser legal ou ilegal, nunca terá qualquer influência no juízo moral que cada um faz do aborto, quer o realizado por si, quer o realizado por outros. E deve ser precisamente assim.

Depois há todo o ruído das duas partes da barricada, quando a questão é só uma, ou se acha que se está na presença de uma vida humana desde o momento da concepção, ou não.
Se há vida humana, aja-se de acordo com isso, e não se deve permitir o aborto em, por exemplo, casos de violação porque biologicamente não há qualquer diferença. Conceda-se certidão de óbito a nados mortos e abortos espontâneos, com o devido registo, agora já não certidão de nascimento, antes certidão de concepção. E depois trate-se tudo de acordo com isso, funerais, licenças, e tudo o mais. Parece ridículo? Pois parece, é que nunca culturalmente se considerou isso. Isto da vida humana no momento da concepção é uma tradição acabada de inventar.
A ciência, mais preocupada com factos parece não fazer confusão entre vida e vida humana. É que vida, existe em todo o lado, vida humana é outra coisa. Mais importante, mais preciosa, mais digna. Perguntam o que se deve fazer em abortos não legais, aí digo, que se proceda judicialmente, qualquer que seja a causa ou motivo da decisão de abortar. Porque já se está em presença de vida humana e porque deve continuar a ser ilegal praticar actos médicos em circunstâncias não autorizadas, pela protecção da segurança das pessoas.
Mas na verdade este é um tema muito mais vasto, que passa por o estado deixar de interferir naquilo que é da esfera privada. A justiça não deve ter poder para proibir uma pessoa de ter um comportamento em que não cause dano a outros.
Acabar com o moralismo e paternalismo, esse é o movimento a que temos de continuamente aderir, antes de mais, não julgando moralmente aqueles que tomam para si a liberdade de não viver de acordo com leis que não cumprem o papel verdadeiro da justiça, mas a sua tentativa de ser um instrumento de construção social, é o verdadeiro respeito pelo outro, pelo que nos é diferente. Cabe só às sociedades construírem-se a si próprias, pelas escolhas individuais esclarecidas dos seus elementos.